Em recente decisão, o Tribunal Regional Federal da 3ª Região julgou Incidente de Resolução de Demanda Repetitiva cujo objeto se circunscreve à possibilidade de redirecionamento da execução de crédito tributário da pessoa jurídica para os sócios ou para pessoa jurídica do mesmo grupo.
Constituído o crédito tributário, ultrapassada todas as etapas administrativas sem que esse crédito tributário seja extinto, cabe à Fazenda Nacional inscrever esse crédito em dívida ativa ( “CDA” ) e iniciar à sua execução.
No caso em exame, no âmbito federal, a Fazenda Nacional, mediante petição nos autos, buscava o redirecionamento da execução para os sócios, com fundamento na dissolução irregular da pessoa jurídica, considerando que a essa altura da execução, constatava-se que o sujeito passivo principal já não tinha patrimônio e não era localizado no endereço de sua sede.
Os pedidos de redirecionamento da execução fiscal com fundamento na dissolução irregular da empresa devedora se avolumaram de tal forma que o Superior Tribunal e Justiça ( “STJ” ) editou a Súmula nº 435/2010, trazendo a presunção de irregularidade para a dissolução efetivada sem comunicação aos órgãos competentes:
Súmula 435 - Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente. (Súmula 435, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 14/04/2010, DJe 13/05/2010)
Se na aplicação da tese de dissolução irregular a Fazenda Nacional obtém êxito, a situação se complica para o contribuinte uma vez que, para se defender mediante oposição de embargos à execução, precisa apresentar garantias para requerer a suspensão da execução, fato que, dependendo do montante da dívida, nem sempre é viável.
Embora a doutrina da desconsideração da personalidade jurídica já fosse reconhecida em nosso ordenamento jurídico, o Código de Processo Civil de 2015 criou procedimento específico para a Desconsideração da Personalidade Jurídica, mediante incidente processual, instituto que passou a ser utilizado em alguns casos em que se buscava o redirecionamento da execução fiscal.
No entanto, na justiça federal, não havia uma uniformidade quanto à adoção de referido incidente, sendo que em várias situações o redirecionamento ocorria mediante mero peticionamento nos autos, o que deu ensejo ao Incidente de Resolução de Demanda Repetitiva, no qual foi exarada a seguinte manifestação do Desembargador Relator, Dr. Baptista Pereira, em seu voto de admissão da afetação (processo nº 0017610-97.2016.4.03.0000) quanto aos requisitos de admissibilidade:
“(...) De outro lado, o segundo requisito também resta preenchido seja pelo risco à segurança jurídica tendo em vista a gravidade dos efeitos do redirecionamento da execução fiscal aos sócios-gerentes, estabelecidos em ambiente de instabilidade jurídica derivada de dubiedade procedimental, os quais incidem sobre as partes e, ainda, sobre terceiros como, por exemplo, o adquirente de bens daqueles, seja pelo risco de ofensa à isonomia na medida em que seria exigível a garantia do juízo para defesa, por meio de embargos à execução, somente daquelas partes em cujo feito foi dispensada a instauração do incidente ao passo que seria assegurada a defesa com dilação probatória (Art. 135 do CPC), sem garantia do juízo, às partes do incidente de desconsideração de personalidade jurídica. (...)”
A questão de fundo refere-se ao cabimento da aplicação subsidiária do CPC referente à aplicação do instituto do Incidente da Desconsideração da Personalidade Jurídica para fins de redirecionamento da execução fiscal.
Assim, estava pendente de julgamento pelo TRF da 3ª Região, por meio de Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas – IRDR, a questão relativa ao redirecionamento de execução de crédito tributário da pessoa jurídica para os sócios, se esta se daria nos próprios autos da execução fiscal ou em por meio de incidente de desconsideração da personalidade jurídica, conforme procedimento afetado em 14/02/2017, quando foi suspensa a tramitação de todos os Incidentes de Desconsideração da Personalidade Jurídica em matéria tributária.
O Órgão Especial do TRF da 3ª Região iniciou o julgamento em 2019 e teve sua conclusão em fevereiro de 2020, decidindo pela admissibilidade do Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica, em execução de dívida tributária.
Importante mencionar que tal medida suspende a execução, abrindo o contencioso para um procedimento probatório, sem a necessidade de garantia do feito, garantindo-se assim a segurança jurídica, bem como o direito ao contraditório e à ampla defesa por parte dos sócios-gerentes ou empresa do grupo para quem o redirecionamento da a execução seja pleiteado.
Referido procedimento é aplicável para os casos de redirecionamentos requeridos pela Fazenda Nacional sob argumento de dissolução irregular, confusão patrimonial, grupo econômico, bem como em razão das situações elencadas nos artigos 124 e 135 do CTN, ou seja, interesse comum e participação no fato gerador da obrigação tributária, atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos.
Com a pacificação do entendimento quanto ao cabimento da aplicação do instituto da Desconsideração da Personalidade Jurídica em matéria fiscal, fica aberto a todos a possibilidade do contraditório e da ampla defesa face a um pedido de redirecionamento da execução fiscal, sem a necessidade de garantia do feito.
Vale ressaltar que caso o nome do sócio-gerente conste da CDA, o instituto em questão não será aplicável, uma vez que aquele cujo nome conste da CDA já é considerado devedor.